Apenas o grito a assistir à sua extinção.

Friday, December 16, 2011

Esclerose Múltipla (metafísicamente)

Mais de 50 mil pessoas estão afetadas na Alemanha por esse quadro de sintomas; no mundo, mais de dois milhões. Eles são em maior número nos países setentrionais que nos meridionais e as mulheres são nitidamente “preferidas”. A irrupção ocorre na maior parte das vezes entre o 20o e o 40o ano de vida com o que, considerando em retrospectiva, os rastros do quadro podem muitas vezes ser traçados até a infância. Já o nome esclerose múltipla nos dá indicações significativas. Esclerose, traduzido do latim, significa endurecimento. Esta expressão da medicina se refere ao sistema nervoso, mas define igualmente bem o padrão psíquico básico do afetado. Este caracteriza-se por uma extraordinária dureza contra si mesmo e contra o mundo, que freqüentemente se expressa em falta de consideração em relação às próprias necessidades e em fundamentos e concepções morais duros e, em parte, precipitados. Não é raro que os endurecimentos do sistema nervoso central encarnem o endurecimento de temas centrais para a vida. As conexões entre os nervos danificadas e especialmente às conexões dos nervos para os músculos, corresponde a falta de compromisso e a pouca disposição do paciente para a mediação entre suas próprias necessidades vitais e as exigências do mundo exterior. A medicina não está segura do fundamento físico da esclerose múltipla. A única certeza é a degeneração da capa de mielina que recobre os nervos, o que a longo prazo leva à perda da capacidade de condução nervosa.
A enfermidade tem tantas faces e sintomas que a princípio é freqüentemente mal diagnosticada. Estabelecido o diagnóstico, a medicina acadêmica[i] se cala a respeito, devido à implacabilidade e intratabilidade da doença. Esse procedimento, duvidoso em si mesmo, é especialmente absurdo com pacientes de esclerose múltipla já que, devido a seu padrão anímico, eles se vêem em uma situação desesperada sem diagnóstico. Como eles exigem funcionar mais do que bem e fazer tudo com perfeição, e além disso tendem a assumir eles mesmos toda a culpa, suas múltiplas deficiências os colocam em situações desesperadoras. Isso chega ao ponto de eles aceitarem o diagnóstico com verdadeiro alívio quando finalmente o recebem, já que este os libera definitivamente do ódio da simulação e da pressão sobre si mesmos e finalmente lhes dá um pretexto para relaxar ao menos um pouquinho o próprio perfeccionismo. Eles agora já não precisam mais poder tudo.
A tendência de ranger os dentes e culpar-se a si mesmo, aliada a uma certa teimosia, são também um perigo para as interpretações que se apresentam. Indica-se aqui uma vez mais que nunca se trata de avaliação, ainda que o idioma faça com que pareça ser assim, mas sempre de interpretação. Quando se interpreta a vida do paciente com todos os seus fenômenos, ela não se torna melhor ou pior; ela se transforma em significado.
Apesar de sua variedade, os sintomas circunscrevem um padrão básico. A sensibilidade dolorida da coluna vertebral, muito freqüente, decorre dos processos inflamatórios crônicos que se desenvolvem nas profundezas desse âmbito. Muitos afetados queixam-se de dores nos pés, o que denota como para eles é difícil o caminho, que na maioria das vezes não é o deles mesmos. As dores nos pés e nas pernas mostram como lhes é doloroso agüentar o caminho que está sendo percorrido. Elas forçam à condescendência, a assumir a própria dolorosa fraqueza. O fato de que se continue afirmando que a doença transcorre sem dores deve soar macabro aos ouvidos daqueles que dela sofrem.
As perturbações da sensibilidade expressam que os afetados não mais sentem e, com isso, não mais percebem em muitos campos do corpo e da alma. Eles não percebem nem mesmo quando o médico lhes toca o corpo com uma agulha. Eles não percebem mais nem mesmo coisas que os roçam e que ameaçam feri-los; eles se desligaram. Pode-se de fato falar de um desligamento do mundo exterior e de seus efeitos. Tal desligamento explicita-se também em outros sintomas tais como o enfraquecimento dos reflexos, que pode chegar à perda total dos reflexos. Os reflexos são as respostas mais simples que o sistema nervoso dá aos estímulos. As pessoas sem reflexos perderam as mais antigas possibilidades de reação ao ambiente que herdaram, ou seja, que lhes foram dadas. Eles não reagem no sentido mais verdadeiro da palavra. Por mais que sejam estimulados, eles permanecem mudos e - no sentido mais profundo - não respondem mais à vida e suas exigências. A isso corresponde a apatia, que muitas vezes surge em fases. A palavra "apatia" vai um passo além em seu significado literal, já que quer dizer "não sofrer" (do grego a = não e pathos = sofrimento). Com isso ela caracteriza, além da frouxidão típica, a recusa de participar da vida e de compadecer-se. É verdade que os pacientes tentam fazer tudo corretamente para todos, mas sem engajamento interno. Como é que eles podem participar da vida de outros quando eles não simpatizam com a própria vida, como demonstram as perturbações da sensibilidade. Sensações de surdez são freqüentemente os primeiros sintomas e podem começar tão paulatinamente que às vezes os afetados somente tomam consciência de sua situação mais tarde.
Aliada a isso está a perda de energia que surge em quase todos os casos. Os pacientes pouco a pouco se dão conta de que tudo lhes custa muito esforço e que as atividades cotidianas mal podem ser levadas a cabo. A vida, no mais verdadeiro sentido da palavra, custa demasiado esforço. Finalmente eles, muitas vezes, não podem mais erguer as pernas. Em sentido figurado, a fraqueza que se impõe impede o progresso e a ascensão na vida, apesar da freqüente ambição. Com as pernas que não mais sustentam, o corpo sinaliza que a base da vida perdeu sua capacidade de suporte. A paralisia corporal externa é uma reprodução da interna. A princípio os pacientes ainda tentam muitas vezes arrastar-se pela vida, agarrando-se a cada parada e a cada palha. Mesmo quando já estão há muito capengas, eles negam-se enquanto podem a valer-se da ajuda de uma terceira perna, que volta a ampliar a base da vida. Assim como a bengala, até mesmo a cadeira de rodas, cercada de uma aura de horror, pode trazer enorme alívio quando os pacientes acedem a aceitar auxilio.
A deficiência de força, que chega a surtos de paralisia nos dedos e nas mãos, mostra que falta força para tomar nas mãos a própria vida. Não pode haver coincidência maior em ambos os planos. A situação interna, sentida como paralisada, corresponde aos surtos de paralisia.
O cansaço paralisante que surge em muitos casos se adapta igualmente a esse quadro. Vários pacientes chegam a dormir até dezesseis horas e o sono consome mais da metade de suas vidas. Não é raro que eles descrevam seu estado após o despertar tardio como “entorpecido". O entorpecimento em relação à própria vida e suas necessidades é característico. A recusa sentida demonstra que já se desistiu do curso da vida e já não se deve mais esperar a busca de um objetivo com as próprias forças. É verdade que popularmente costuma-se dizer que cansaço não é doença, mas essa forma que consome toda a vida vai muito além do cansaço resultante do desgaste de energia. Evidentemente há aqui a participação de uma certa quantidade de defesa contra uma vida fraca que foi forçada para o corpo. Os pacientes afirmam freqüentemente que prefeririam dormir ao longo de todas as suas misérias. Por outro lado, o dispêndio de energia é também muitas vezes enorme. Para os pacientes, tudo é tão fatigante que até mesmo coisas insignificantes os deixam extremamente cansados. A faca da cozinha pode ser pesada demais quando o próprio braço já é sentido como um lastro. Tais pesos plúmbeos denotam a carga que oprime os afetados também em sentido figurado. Suspeita-se que em algum lugar há um furo por onde a energia escorre. É provável que a medicina tenha encontrado esse buraco: pesquisas sobre o sistema imunológico vêem na esclerose múltipla uma doença de auto-agressão. Todas as energias disponíveis são utilizadas na luta contra si mesmo, de modo que sobra pouco para a vida externa.
Outros sintomas afetam a bexiga, aquele órgão com o qual nos aliviamos mas com que podemos também pressionar. Também nesse caso, a fraqueza está em primeiro plano em muitos pacientes de esclerose múltipla. Eles não podem mais reter a urina, e a bexiga a deixa escapar à menor oportunidade. O sintoma força um retorno à situação da primeira infância, com sua incapacidade de controlar as funções fisiológicas e a própria vida. Os pacientes de EM deixam fluir embaixo, onde ninguém mais pode notá-las, as lágrimas não choradas acima - que eles, em sua ausência de reação e bloqueio das sensações não podem admitir. Esse choro transposto pode também voltar a transformar-se em verdadeiro choro quando a doença se desenvolve completamente e as medidas de defesa, com o sofrimento, tendem a desmoronar. Não é raro então que o paciente se torne extremamente choroso, o que é muito doloroso para ninguém mais que o próprio afetado. Qualquer insignificância, uma cena de filme tocante ou algo parecido, libera o fluxo anímico estancado por tanto tempo e provoca um banho de lágrimas. Ou então as lágrimas escorrem constantemente, mostrando aos pacientes como eles deveriam ter chorado (animicamente). Uma vida seca de sentimentos não corresponde evidentemente à sua determinação, e os olhos sempre úmidos mostram como eles, no mais íntimo, se sentem tocados. Isso é valido em geral para a insensibilidade e a dureza voltadas para fora. Onde o dique se rompe, surgem explosões de sentimento que mostram uma pessoa totalmente diferente.
Nas inflamações da bexiga encarna-se o conflito relativo a soltar, aliviar-se. Este conflito se torna uma necessidade ardente. O sintoma o força a fazê-lo constantemente, sem que possa dar muito de si e de sua alma. Ele demonstra não somente como o alívio é necessário mas também como ele é difícil e como é sentido de maneira dolorosa.
A retenção da urina, que ocorre igualmente e que é praticamente o contrário da fraqueza da bexiga, encarna a extrema reserva em relação às coisas anímicas. O fato de que a incontinência chorosa da urina possa alternar-se com sua total retenção mostra como todo o fenômeno é independente da corporalidade pura. A retenção do próprio fluxo anímico é um sintoma característico da situação anímica básica.
Os problemas de linguagem que ocorrem ilustram o mesmo drama. As perturbações para encontrar palavras mostram que aos pacientes faltam palavras. Eles estão sem fala. Sua auto-expressão fica sensivelmente perturbada quando se torna problemático construir uma frase em determinado contexto. A dificuldade em construir uma frase inteira que seja completa em seu sentido para preservar o contexto é outra característica que deixa clara a perturbação do contexto geral. A coordenação de partes relacionadas umas com as outras está perturbada. A vida vivida é incompatível com o próprio ser. Os problemas de coordenação são também decisivos em outros âmbitos. Eles incapacitam os pacientes antes ainda das paralisias, levando ao típico andar inseguro que lembra o de um bêbado. Os afetados titubeiam pela vida e somente podem dispor de seus músculos de forma muito limitada. Essa indeterminação é geral. O quadro de sintomas evolui em altos e baixos tão imprevisíveis que os pacientes somente podem confiar no momento.
O ponto fraco dos afetados no plano corporal é a conexão entre nervo e músculo. De acordo com a medicina acadêmica, a EM trata-se sobretudo de uma inflamação degenerativa nervoso-muscular, um conflito crônico, portanto, no ponto de conexão entre a condução de informação e os órgãos de movimento que a executam. A transmissão de informações é colocada em questão. No caso da dificuldade em encontrar palavras, os pacientes não mais transmitem suas informações ao marido ou à esposa, perdendo assim uma possibilidade substancial de exercer influência sobre o meio ambiente. Na medida em que não podem mais influenciá-lo com palavras, eles perdem também a capacidade de governá-lo. A perda do controle verbal é uma ameaça terrível para pessoas cujo controle interno se estende sobre tudo. Caso a influência seja exercida através da escrita, a iminente paralisia do braço pode gerar grande angústia. A explicação para o extraordinário grau de organização, tanto dos enfermos individuais de EM como de toda a comunidade que compartilha esse destino, está nessa tendência de controlar e exercer influência. Eles até mesmo chegam a ajudar outros doentes em seus esforços fundamentais. Especialmente os pacientes que superaram seus próprios problemas encontram aqui um campo para seu padrão interno. Desde que não seja utilizado para desviar-se das próprias tarefas e sim, ao contrário, para reconhecê-las no espelho de outros doentes, há aqui uma solução magnífica.
Os problemas de memória apontam na mesma direção. Os pacientes não reparam mais em nada, não retém nada e, assim deixam de participar das conversas. Eles não são mais responsáveis, eles não são nem mesmo capazes de responder concretamente, seja às exigências do interlocutor ou às da vida. É óbvio que quem não pode responder tampouco pode arcar com nenhum tipo de responsabilidade. Os pacientes ativos e orgulhosos raramente querem perceber aquilo que o quadro de sintomas deixa tão claro, e eles freqüentemente se negam a aceitar a invalidez, já que ela justamente os exime da obrigação de ser responsáveis por si mesmos.
A perda da capacidade de concentração mostra a incapacidade de permanecer em uma coisa. Os pacientes de EM têm fundamentalmente a tendência de ater-se com rigor a pontos de vista, mesmo quando raramente estão em posição de defendê-los contra outros e até mesmo de impô-los. Eles têm a exigência de uma firmeza e uma fidelidade aos princípios que chega à rigidez e à obstinação. O declínio da capacidade de concentração, assim como a incontinência da bexiga, é uma tentativa de auto-ajuda do corpo. Sem concentração torna-se impossível para o afetado persistir trilhando os caminhos aos quais está acostumado. Ao contrário, eles são atirados fora da pista o tempo todo, esquecem o assunto e precisam orientar-se novamente.
Eles certamente também perdem a realidade de vista de maneira muito concreta, já que o sentido da visão também se deteriora com freqüência. Nas raras visões luminosas, tais como relâmpagos claros, pode-se ver a tentativa do organismo de acender uma luz para o paciente em relação à sua percepção. Eles evidentemente vêem coisas que não existem. Muitas vezes véus recobrem os olhos e ocorrem surtos periódicos de cegueira. Quando exatamente meio campo de visão desaparece, a interpretação é simples: só se vê ainda uma metade (a própria) da realidade. Imagens duplas, que surgem com freqüência, denotam uma duplicidade de interpretação e de sentido bastante perigosa. Expressões como "fundo duplo" ou "dupla moral" dão a entender a qualidade que aqui participa. Faz parte também desse contexto o fato de que as concepções morais e éticas são muitas vezes tão estritas que o que é simplesmente não pode ser. As imagens duplas também podem apontar para isso. A realidade - sem que se perceba - é medida com duas medidas.
A dupla ótica dá a entender que se tenta viver simultaneamente em dois mundos incompatíveis. O mundo das próprias necessidades e o das exigências do meio ambiente são incompatíveis, razão pela qual a maioria dos pacientes decide, inconscientemente, atenuar de maneira drástica os próprios sentimentos e percepções ou simplesmente não mais perceber. Entretanto, as imagens duplas mostram que as idéias próprias continuam existindo na sombra e a partir daí entram em concorrência com o mundo externo. Os pacientes de EM são, por assim dizer, crianças de dois mundos (em luta um como outro). Eles não podem levantar-se inteiramente em nenhum desses mundos e sentam-se entre os assentos. Duas percepções que não se coadunam fazem muitas vezes com que uma delas se torne vertiginosa. O mecanismo é o mesmo do enjôo quando se viaja de navio. Simplesmente, uma vertigem se faz presente.
As freqüentes perturbações do equilíbrio encaixam-se aqui. Elas mostram quão pouco os pacientes estão em harmonia, animicamente falando. Eles se movem sobre um solo oscilante. Muitas vezes, a experiência é descrita como se o subsolo (o solo da vida?) afundasse, é preciso lutar para mover-se para a frente como quem caminha sobre areia movediça ou como um equilibrista na corda bamba. A sensação de que o chão desaparece sob os pés do afetado como se ele estivesse bêbado mostra quão pouco firme e confiável é o contato com a própria base e o enraizamento no solo anímico. O medo de precipitar-se de pontes estreitas mostra a ameaça da vida e a proximidade do abismo ao caminhar pela crista. De fato, o risco de precipitação toma-se mais próximo com o progresso do quadro de sintomas. A sombra não vivida ameaça atrair o paciente para sua área de influência. Isso torna-se especialmente perigoso quando a essa oscilação somam-se fraqueza e perturbações na sensibilidade das pernas, que com freqüência parecem extremamente pesadas ou como se estivessem dormentes.
A estrutura de personalidade resultante, por um lado, está impregnada do desejo de controlar e planejar tudo com antecedência e, por outro, da falta de uma reação adequada frente aos desafios. Assim que algo vai contra suas concepções fixas e freqüentemente rígidas, surgem resistência e angústia nos pacientes. O considerável medo do fracasso e a falta de autoconfiança, no entanto, impedem que eles dêem expressão à sua indignação. Para quem está de fora, essa mistura dá facilmente a impressão de teimosia.
Para o afetado, a repressão de todos os impulsos vitais próprios, reações e respostas à vida é praticamente inconsciente. Quando ela se torna rudimentarmente consciente, ocorrem também às vezes ultracompensações e uma sede de viver especialmente demonstrativa. A rigidez e as concepções fixas contrastam com a tendência de fazer justiça a tudo. Com isso, os pacientes negligenciam suas próprias necessidades, o que os torna internamente irados. Em boa medida incapazes de impor-se e externar agressões, eles as dirigem para dentro, contra si mesmos. A explicação médica da EM como uma enfermidade de auto-agressão explica para onde vai a energia. Frases típicas durante a terapia são: "Eu não vivi”, "Meu casamento foi um único auto-sacrifício", "Eu passei a vida pedindo desculpas", "Eu nunca me permiti uma fraqueza" ou "Eu me afastei tanto de mim mesmo”.
A problemática sexual desempenha um papel muito substancial, especialmente disseminada entre os homens e que vai da impotência à ejaculação precoce e à incapacidade de atingir o orgasmo. Devido ao posicionamento de vida dos pacientes, voltado para o exterior, é especialmente difícil que eles não façam comparações em suas valorações. Todo comportamento dirigido para o orgulho e a concorrência, que é fundamentalmente impeditivo no âmbito sexual, passa por terapias drásticas e a tendência geral do quadro de sintomas de impor a fraqueza é ainda mais incentivada.
Por um lado os sintomas tornam a pessoa sincera e, por outro, explicitam a tarefa de aprendizado e apontam o caminho. O endurecimento e a fixação exigem a consecução firme e conseqüente das próprias necessidades vitais e encontrar força em si mesmo. Uma forte autoconfiança precisa tornar-se a base da vida anímica e substituir o endurecimento dos nervos físicos. Só vale a pena ambicionar ter nervos de aço em sentido figurado. Pacientes de EM, com o medo que têm de ver a si mesmos - para não falar em realizar-se - tendem a fazer-se pequenos, desamparados e apáticos.
A liberação da fraqueza, em última instância, está na entrega, em assumir o ceder e o deixar acontecer impostos pelo corpo. k desistência da luta torna-se tarefa. A necessidade raramente externada que os pacientes de EM têm de planejar, dirigir e controlar tudo de acordo com suas concepções é submetida a terapia pelo destino. É somente quando se logra uma liberação das exigências do meio ambiente que se deve voltar a transformar o egoísmo conquistado e primariamente saudável e submeter-se a uma vontade superior. “Seja feita a Sua vontade, não a minha!” Mas antes que tais elevados ideais religiosos tenham uma chance, é necessário parar internamente sobre as próprias pernas. A necessidade de afirmar a si mesmo é dirigida por uma existência-sombra e é vivida quase exclusivamente nos sintomas da doença. É possível exercer poder com o diagnóstico de EM, o que raramente é visto e é freqüentemente combatido. A tarefa não pode estar em mais entrega às exigências do ambiente, mas em primeiro lugar em uma entrega às próprias necessidades e, em última instância, a Deus, ou seja, à unidade no sentido do "Seja feita a Sua vontade!". A entrega ao ambiente somente poderia atuar de forma redentora quando a obediência cadavérica e o seguir contrariado oriundos da fraqueza tornarem-se participação levada internamente, tal como acontece com freqüência quando os pacientes intervêm em favor de seus colegas de sofrimento. A exagerada necessidade de sono e o cansaço paralisante acentuam a noite e, com ela, o lado feminino do dia, alojando no coração dos pacientes. Os próprios sentimentos, sonhos e fantasias e seu espaço vital tornam-se tarefa de vida.
Dores na coluna dirigem a atenção para a luta pela própria linha e pela temática da retidão, que vibra também em outros sintomas. A tendência à tontura contém, além disso, a exigência de girar junto com o mondo, colocar em questão a certeza e o mundo aparentes dos próprios princípios e concepções morais e colocar novamente em movimento a rigidez de pontos de vista daí decorrentes. Os caminhos já percorridos e as concepções encalhadas que se tem por diante e que, portanto, estão no caminho, devem ser sacudidos e tornar-se vacilantes.
As imagens duplas indicam, entre outras coisas, que há ainda uma outra realidade ao lado da usual e que a vida tem de fato um chão duplo. Aquela autoconfiança que tanta falta faz aos pacientes de EM somente pode crescer a partir da confiança nesse segundo plano, o plano divino que contém todos os planos humanos.
A bexiga incontinente quer incitar a que se deixe fluir as lágrimas, aliviando a pressão da represa anímica em todas as oportunidades. A irritação da bexiga dirige a atenção para o conflito a respeito do tema "aliviar", "soltar". A retenção da urina, uma completa reserva e renúncia ao intercâmbio com o mundo, em seu sentido redimido sugere que se reflita sobre si mesmo, utilizando para si as energias anímicas: em vez de reserva e retirada, reflexão e consideração por si mesmo.
As perturbações da sensibilidade também apontam nessa direção: com a sensação do próprio corpo e a capacidade de sentir o mundo externo, é evidente que o mundo exterior com todas as suas exigências deve ter sido arrancado da consciência do afetado. O que resta como tarefa é aprender a tocar e sentir o mundo interno, que se tornou curto demais. A indicação apontando para o íntimo pode ser lida também nos surtos de paralisia. Quando as pernas não agüentam mais, evidentemente não se deve mais sair para o mundo, toda a correria pelos outros, ou seja, pelo reconhecimento através dos outros, terminou. Andar para dentro é a única possibilidade que permanece aberta. Quando as mãos ficam sem força, de maneira correspondente deixa de ser seu objetivo agarrar o mundo exterior para nele estampar seu próprio selo. A tarefa de tomar nas mãos a própria vida interna, ao contrário, continua sendo possível e adquire primazia.
A auto-reflexão que vai mais longe leva a imagens arquetípicas tais como as conhecem os mitos e a religião. Portanto, a tarefa mais abrangente, que pelo menos surge no horizonte em todos os quadros de sintomas, é a reflexão última e final sobre a pátria anímico-espiritual primordial do ser humano. Em sintomas que ameaçam terminar com essa vida ou limitá-la drasticamente, essa tarefa torna-se especialmente importante. Esse tema é acentuado ainda mais em um quadro de sintomas tal como a esclerose múltipla que, mais além dos sintomas, tão enfaticamente procura forçar uma retomada de relações consigo mesmo e com o próprio mundo interior. Com isso, o afetado aproxima-se do tema da religio, a religação com a origem no sentido religioso. E as grandes questões da existência humana saem do mundo das sombras para a luz da consciência:
"De onde venho?" - "Para onde vou?" - "Quem sou eu?"

Perguntas
1.    Por que sou tão duro comigo mesmo e julgo tão duramente os outros e mesmo assim tento fazer tudo certo para eles?
2     Onde eu tento controlar meu meio ambiente ou a mim mesmo sem estar em condições de fazê-lo?
3.    Que alternativas há neste mundo para meus inamovíveis pontos de vista sobre a vida, sua moral e sua ética?
4.    Como poderia aliviar a minha vida? Onde poderia ter mais paciência comigo mesmo? Como encontrar minhas fraquezas, posicionar-me em relação a elas?
5.    O que me impede de participar da vida? O que leva a que eu me desligue? Que possibilidades tenho de incorrer em stress, exigências exageradas e consumição?
6.    O que paralisa minha coragem anímica? Que resistência me deixa cansado?
7.    Por que eu me ensurdeço? Onde eu me finjo de surdo? Para que estou cego?
8.    Em que medida dirijo minha energia principal contra mim mesmo?
9.    Onde posso perceber em minha vida o fluxo anímico que vaza de minha bexiga? Onde as lágrimas estão atrasadas, onde elas são supérfluas?
10.   Até que ponto sou capaz de responder à vida e assumir responsabilidades? Por que alimento expectativas em lugar de escutar a mim mesmo? Como passo da determinação pelos outros para a responsabilidade própria?
11.   De que maneira as correntes de minha alma se relacionam em um padrão? Qual é sua ordem natural? O que está em primeiro lugar? Como podem ser coordenadas as ordens externa e interna?
12.   O que me impede de encontrar abertamente o incalculável e o mutável de minha vida?
13.   Como posso incluir-me no grande todo e encontrar o sentido de minha vida sem prejudicar minha identidade anímica?




[i] Além da cortisona, de efeitos bastante discutidos, atualmente a medicina acadêmica não tem nenhum outro remédio para a EM.

(extraído do livro "A doença como linguagem da alma")


Qualquer doença é manifestação de desequilíbrio da harmonia inerente á existência. Permita se conhecer.

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